A ideia de que o chão pode estar cedendo sob nossos pés pode soar alarmante, como algo saído de um filme. No entanto, é justamente isso que revela uma pesquisa conduzida pela Universidade Tecnológica de Nanyang (NTU), sediada em Cingapura. O levantamento mostra que o solo de diversas cidades ao redor do mundo está sofrendo afundamentos. No caso do Brasil, o estudo destaca o Rio de Janeiro, onde determinadas áreas apresentaram rebaixamento médio de 0,01 cm a 6,3 cm por ano, entre 2014 e 2020.
Esse fenômeno, conhecido na geologia como subsidência, foi observado em 48 cidades costeiras na Ásia, África, Europa e Américas. Esses locais são especialmente suscetíveis à combinação entre o aumento do nível do mar e o afundamento do solo.

Na capital fluminense, a maior parte das áreas atingidas teve rebaixamentos inferiores a 0,6 cm por ano. Porém, regiões como Rio das Pedras registraram subsidência significativa, chegando a uma média anual de 6,3 cm.
“O caso de Rio das Pedras é particular. O rebaixamento do solo – que tecnicamente chamamos de subsidência ou recalque – pode ter diversas causas. Ali, o que ocorre é um processo chamado recalque por adensamento primário, que consiste em um movimento descendente do solo. Quando temos solos argilosos muito moles, com baixa consistência, o terreno tende a se deformar com mais facilidade, gerando rebaixamentos mais severos. Esse tipo de solo se comporta como uma gelatina, moldando-se facilmente. Ao se construir sobre ele, impõe-se uma sobrecarga que faz com que o solo se comprima, perdendo volume à medida que a água presente entre seus grãos é expulsa. É semelhante ao que acontece com uma esponja cheia de água: ao ser apertada, ela encolhe porque a água sai de seu interior. Isso é exatamente o que se passa com as argilas moles de Rio das Pedras”, explica o engenheiro civil e professor Juliano de Lima, doutor pela Uerj e docente da Universidade Veiga de Almeida e do Cefet/RJ.
Segundo ele, esse tipo de solo, com alta compressibilidade, favorece recalques acentuados. E uma das consequências disso é o risco de comprometimento das construções: “As fundações das casas acompanham a deformação do terreno. Como o recalque é diferencial – ou seja, partes da estrutura se movem mais do que outras – surgem fissuras e outros danos estruturais. Esse processo de compactação do solo ocorre lentamente, ao longo dos anos, mas de forma contínua. Com o tempo, pode chegar a comprometer seriamente as edificações”.
O professor acrescenta que, idealmente, as fundações diretas usadas em Rio das Pedras – como sapatas – deveriam ser substituídas por fundações profundas, utilizando estacas que ultrapassem a camada de solo mole e se apoiem em um substrato mais firme. Contudo, o custo dessa solução é elevado. Existem também técnicas para melhorar as características do solo, como injeção de aglomerantes, uso de colunas de brita ou métodos de aceleração do recalque. Porém, Juliano destaca que a situação em Rio das Pedras já está tão avançada que torna difícil a adoção de qualquer intervenção eficaz. “A realocação dos moradores seria o ideal, mas isso envolve um custo social e político altíssimo, tornando o problema ainda mais complexo de resolver.”
Embora o solo de Rio das Pedras esteja cedendo por conta de suas características físicas, há outros fatores que também podem levar ao afundamento do terreno, como escavações, rebaixamento do lençol freático e sobrecarga excessiva.
Segundo o geólogo Cláudio Amaral, do Departamento de Geologia Aplicada da Uerj, esse fenômeno ocorre também em outras áreas do Rio de Janeiro: “Na verdade, é uma realidade presente em todo o litoral brasileiro. Antigamente, o mar ocupava áreas hoje emersa, o que favoreceu a formação de solos argilosos com matéria orgânica em ambientes salinos. No Rio, isso ocorre em locais como a Vila do Pan, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde o asfalto frequentemente apresenta rachaduras. Situação semelhante acontece na Maré, na Vila do João e nas imediações do condomínio Rio 2. Em Sepetiba, os conjuntos habitacionais Sepetiba 1 e 2 foram construídos sobre terrenos inadequados para esse tipo de ocupação urbana.”
Diante desse cenário, Amaral defende a necessidade de um jornalismo científico que informe com precisão, sem alarmismo, explicando as causas, dinâmicas e consequências desse processo geológico contínuo. Ele destaca ainda a importância de mapear as áreas com solos mais compressíveis, identificando sua espessura e grau de consistência, já que essas variáveis determinam a intensidade e a velocidade dos recalques. “Hoje a engenharia dispõe de diversas soluções para lidar com esse tipo de solo – mas elas têm custo elevado. Por isso, normalmente só são aplicadas em empreendimentos de grande porte, como o Rio 2, e não em comunidades como Rio das Pedras”, conclui.
Fonte: Jornal Diário do Rio